
As cinco etapas da formação do ego:
O espírito, no primeiro instante antes do nascimento do ego, é o terreno fundamental da
energia pura não dualista. Não há conhecedor nem conhecido, é aberto e solto, sem centro, nem periferia, como o espaço.
O nascimento da ilusão é, antes de mais, o nascimento de uma
diferenciação: o espaço começa a ser percepcionado, começa a existir como algo para uma observação que o percepciona, nasce uma distinção. É o início da cisão sujeito-objecto, o nascimento da
dualidade.
Consequentemente, esta diferenciação inicial, pode acontecer em relação a qualquer ponto de referência no domínio das diferentes faculdades sensoriais: visual, auditivo, olfactivo, gustativo, táctil e mental.
Esta primeira referencia é chamada de forma. É o primeiro nível do ego.
Uma forma visual, é uma representação qualquer do domínio visual, um contorno, uma referência visível, seja ela qual for. Mas este nível inicial, é uma experiência nua, despojada de conceito, e de qualquer julgamento. É uma visão simples e silenciosa. Uma forma sonora, seria uma vibração, antes da ressonância ser reconhecida, antes de ser nomeada, identificada, antes de ter adquirido um sentido particular.
A segunda etapa é a da
sensação. Trata-se de uma tomada de posição em relação à experiência inicial, a da forma. Esta é agora sentida como positiva, negativa ou neutra. Existem assim sensações agradáveis, desagradáveis ou indiferentes. A sensação é simplesmente este primeiro posicionamento, esta primeira impressão.
A terceira etapa diz respeito à
identificação, ou seja, a forma que é sentida, é agora reconhecida. Dá-se-lhe nome, há uma conceptualização (a flor, o livro, o sino…). A sensação adquire agora sentido, o da
percepção.
A seguir, na quarta etapa,
há uma reacção diante do objecto identificado, portador de um sentido que sugere acção ou reacção. Estabelece-se uma relação com a forma sentida e identificada. Esta relação é condicionada por diferentes tendências ou “factores mentais” latentes. Estes factores são os elementos que animam a vontade e impulsos. É a motivação.Há assim uma situação na qual a forma foi
sentida, nomeada, adquiriu um sentido, em relação ao qual se tem uma acção ou reacção.
O observador desenvolveu-se nas quatro primeiras etapas. A fixação nesta situação enquanto a sua “experiência”, acaba por solidificá-lo (ego). Apropria-se da experiência completamente, e daí resulta um estado de consciência plenamente constituído. O ego é, e vive no mundo particular assim desenvolvido e que se tornou num estado de consciência completamente organizado. É a quinta etapa, a da consciência.
("Le Dharma et la Vie")Esta estruturação do ego, pela formação das cinco etapas: forma, sensação, percepção, motivação e consciência, repete-se de instante de consciência em instante de consciência. Cada um destes instantes subsiste muito brevemente e depois desaparece, seguido pelo aparecimento de outro. No fim de cada um destes instantes, há uma espécie de dissolução ou morte do ego e dos seus constituintes, e no início de cada um deles, há agregação, nascimento. Há assim uma constante agregação e desagregação do ego, estruturação, desestruturação e reestruturação. O fenómeno produz-se sem parar. È assim o funcionamento do ego, e este processo de nascimento e morte, constitui cada instante de vida.
Para mim, o ego não é uma ferramenta totalmente desnecessária, que deve ser alvo de trabalho eliminatório, para que se possa ascender a um patamar de consciência mais elevado, liberto de julgamento, passivo de acção ou reacção. Não! É antes, uma ferramenta fundamental que apenas deve ser melhorada, limada, trabalhada.
Na minha opinião impregnada de ego, a prova cabal da necessidade deste “filtro de realidade” é, a sua incontrolável existência.
Nasce com os primeiros instantes de vida como a conhecemos, é uma condição de outra condição, humana.
Não obstante, considero que o trabalho de crescimento enquanto ser humano, relacional, individual, mental e espiritual, deve abraçar o melhoramento ou pelo menos, o melhor controlo da influência positiva do ego nas nossas ideias, constatações e acções.
Para mim, o ponto fulcral, está ao nível das motivações, essas sim, podendo ser impregnadas de factores negativos. Aí mesmo é que devo começar o meu trabalho de crescimento e melhoramento do fenómeno perceptivo e consciente.
Não devo "tolerar" as acções negativas, sejam minhas, sejam dos outros.
Ora, às acções negativas, precedem
as motivações negativas que, segundo o anteriormente referido,
são as tendências ou factores mentais latentes de cada indivíduo. É precisamente aí que deve começar o meu trabalho, na tentativa de entender essas mesmas tendências, observa-las e corrigi-las. Claro que, como qualquer acção, também esta requer vontade, ou motivação, e se as nossas motivações não são as mais “louváveis”, então, nada do que acabamos de ler faz sentido.